domingo, 8 de setembro de 2019

Um Certo Arroio Velhaco ou das Torrinhas Também Chamado da Cruz

Existe um Arroio Grande que nasce na Serra de Santo Antônio, também chamada de Serra do Veleda, e vai desaguar no Rio Camaquã, fazendo a divisa dos Municípios de Bagé e Pinheiro Machada.
A história deste Arroio começa a ser conhecida no ano de 1786 quando da demarcação dos limites entre Espanha e Portugal na América. Quando uma comissão demarcadora acampa ao sul de um arroio afluente do já citado Arroio Grande, cujo dito afluente tem sua nascente mais próxima as pontas do Arroio Candiota. Ocorreu neste acampamento no dia 12 de fevereiro de 1786, uma briga entre os Dragões Diego de La Torre e Mathias Vello, tendo este ferido gravemente a La Torre, que veio a falecer no dia 15 deste mês. Sendo sepultado no dia 16 do mesmo mês em uma lomba existente neste local, onde em homenagem ao falecido fixaram uma Cruz e passaram a chamar o já dito arroio afluente, de Arroio de Torre e mais tarde de Arroio de La Cruz de Torre.
Já no ano de 1791, José de Saldanha ao informar o requerimento de sesmaria de Alexandre Elói Portelli, afirma que o Arroio Grande era mais conhecido com os nomes vulgares de Arroio Velhaco ou das Torrinhas, do que por Arroio da Cruz, que sendo apelido que lhes deram os espanhóis. José de Saldanha também informou no ano de 1793 a existência de um Rincão das Torrinhas, requerido por Francisco Antônio D'Ávila.
As citadas Torrinhas, são grandes formações rochosas que afloram do solo e se parecem com uma torre, não tem nada a haver com o nome do falecido Dragão La Torre. O nome Arroio das Torrinhas é por que este Arroio afluente nasce localidade conhecida como Rincão das Torrinhas.
Já o nome Velhaco eu não achei fonte que dê sua origem, porém por tradição todos afirmam que vem de sua in sinuosidade e muitas curvas entre profundos veles que abriu na serra, o que condiz com o adjetivo velhaco; ludibriador, enganador, traiçoeiro.

Mapa Geral

 Portanto concluo que o nome Arroio Velhaco se refere a parte principal de Arroio em toda a sua extensão. E que o Arroio das Torrinhas é um afluente do Velhaco, que nasce nesta localidade. Já o Arroio da Cruz também é um afluente do mesmo Velhaco e que tem sua nascente bem próxima a uma das nascentes do Arroio Candiota, onde foi sepultado o Dragão Diego de La Torre. O Arroio Velhaco tem outros arroios afluentes com; o do Capão Bonito, Ricardinho, Sepultura entre outros no Município de Bagé e outros tantos em Pinheiro Machado.
Este Velhaco é velhaco até no nome, pois até hoje muitas pessoas se confundem com ele.

Estância Boa Vista









                                                  N e r c i     N o g u e i r a

segunda-feira, 1 de abril de 2019

O Pequeno Povoado Jesuítico de Santo Antônio o Novo



Este pequeno povoado era subordinado ao Povo Jesuítico de São Miguel e se localizava entre os Arroios Taquarembó e Santo Antônio, no hoje Segundo Distrito de Lavras do Sul. No ano de 1752, segundo José Varela y Ulloa, tinham este Povoado 200 famílias, com muita gente armada e fortificada com duas peças de artilharia. O que demonstra ser ali um centro de defesa contra os invasores e ladrões de gado dos campos de sua Estância de Santo Antônio. Esta Estância tinha outras invernadas além da do Curral de Pedra e nelas diversos postos de pastoreio e observação. Entre estes postos existia o Posto de Santa Tecla, que ficou conhecido como“Santa Tecla Velha" hoje no Município de Bagé. 
 No ano de 1752 no Posto de Santa Tecla os índios missioneiros sob o comando de Sepé Tiaraju não permitiram que os demarcadores da Fronteira do Tratado de Madri prosseguisse na demarcação desta Fronteira, alegando que aquelas terras tinham donos e que por direito lhes pertencia, dadas por Deus e São Miguel. Isto irritou as Coroas de Espanha e Portugal, que em resposta concentraram em Janeiro de 1756, um Exército Luso/Espanhol nas nascente do Rio Negro. Este exército unido marchou rumo a Santo Antônio o Novo, passando pelo Posto de Santa Tecla que encontraram queimadorestando só um dos quatros ranchos existentes ali. Prosseguindo na marcha foram acampar no dia 29 de Janeiro de 1756, nas proximidades das nascentes do Arroio Santo Antônio (Arroio este chamado pelos espanhóis de Ibaaró e pelos portugueses de Haaró), ali permanecendo até o dia 31 do mesmo mês e ano. Ainda segundo os Diários de Marcha dos Capitães Jacinto Rodrigues da Cunha (Português) e Dom Francisco Graell (Espanhol), não houve combate nesta localidade, apenas patrulhas vistoriaram alguns locais, como o Pequeno Povoado de Santo Antônio o Novo. Encontrando este incendiado pelos índios, só restando cinco ranchinhos de pau-a pique bem como um pedaço da parede da capela e uma horta cercada de pedra. No dia 31 de Janeiro deste ano,marchou o Exército Luso/Espanhol rumo ao noroeste, pelas pontas do Arroio Santo Antônio, quando avistaram umas construções ao noroeste. A patrulha lá chegando encontrou um grande curral e quatro ranchos com as paredes de pedras derrubadas. Prosseguiram então rumo ao passo do Jaguari.
No ano de 1758, após a chamada Guerra Guaranítica, retornaram os demarcadoras daquela Fronteira. e no dia 8 de Maio de 1759, às 11:45Hs. Pararam junto ao Passo do Arroio Taquarembó para compor o dito Passo (Passo do Guterres), que é de pedra, para passar as carretas. No dia 9, às 8hs. passaram o Arroio Taquarembó e subiram em terreno bastante elevado,do qual descobriram o Rio Ibicuy Guazú (Antigo nome do Rio Santa.Maria) e após o exame visual deste Rio, seus afluentes e a Foz do Arroio Taquarembó, continuaram a marcha por bons caminhos chegando às 10:30hs. no local onde fora o Pequeno Povoado de Santo Antônio o Novo. Ali não acharam mais os vestígios das casas a não ser um pedaço de parede de adobe, que devia ser de uma capela e as cercas de pedras soltas, com sua horta de pessegueiro. Por não haver no local um bom lugar para parar, continuaram a marcha baixando por mão terreno pedregoso, e a uma légua deste Povoado acamparam ás 12:00hs junto ao Arroio Haaró. No dia 10, logo após iniciarem a marcha passaram o Arroio Haaró (Santo Antônio) e a uma légua de distância passaram outro arroio (Arroio Ivaró), e continuaram a marcha rumo ao norte chegando a um passo no Arroio Jaguari, que é de areia.
No dia 1 de Março de 1787, novamente chegou no local onde fora o Pequeno Povoado de Santo Antônio Novo, uma comissão demarcadora de fronteira. Agora a Fronteira do Tratado de Santo Ildefonso. Neste dia atravessaram o Arroio Taquarembó no seu passo de pedras e com bastante água (Passo do Guterres). Subiram em uma planície bastante alta, pela qual caminharam pouco mais de meia légua a nordeste e depois continuaram a noroeste quase duas léguas para avistarem o Rio Ybicuy (Rio Santa Maria), até se lhe juntar seu galho Yaguari (Jaguari). Donde voltaram pelo leste passando novamente no dito passo de pedras, retornando ao acampamento na margem sul do dito Taquarembó. Neste dia, já no acampamento, José de Saldanha descreve a dita planície alta com bastantes detalhes, entre eles; que ali existiu a Estância Santo Antônio e que do leste desta planície alta, onde êle se encontrava, ainda que de longe avistava os jerivás postos em fileiras e que ali fora o local das casas do já extinto Povoado de Santo Antônio o Novo. Que ali tinham Ermida Capelão e várias casas de índios. No dia 2 de Março, voltaram a dita planície alta e saíram dela pela parte oriental (leste), onde notaram uma pequena e rasteira muralha já arruinada de pedras soltas, desde as caídas do Arroio Santo Antônio até outras correspondentes mais próximas para o Taquarembó. Feita pelos índios no tempo dos Jesuítas, com a finalidade de total fecho deste grande Rincão (Curral de Pedra). Continuaram a caminhar a leste marcando as asperezas que se encostam ao mesmo Taquarembó, pelo lado do norte. Dali voltaram para o dito acampamento na margem sul. No dia 4 de Março, seguiram a marcha pela margem sul do dito Taquarembó, passando para a margem do norte em um passo que fica a uma légua e meia acima do dito Passo do Guterres. José de Saldanha descreve este passo como sendo frequentemente usado por quem vinha de Santa Tecla para Mbatovi. Hoje porém este passo está em desuso. Após atravessarem o Taquarembó, neste dito passo, foram acampar nas cabeceiras do Arroio Santo Antônio. Seguindo no dia seguinte por elas rumo ao noroeste, até o Passo do Arroio Jaguari.
Na Guerra do ano de 1801, os portugueses comandados por José Borges do Canto, tomaram a Região das Missões Orientais do Uruguai. passando esta localidade do Curral de Pedras para o domínio português. Então o Capitão Antônio Adolfo Charão pediu a localidade do já dito Curral de Pedras como sesmaria. Também pediu o Capitão Francisco Prestes de Paula Barreto, as sobras da Sesmaria do Charão. Em 10 de Maio de 1808 a justiça de Rio Pardo mandou medir e demarcar este grande Rincão. Quando, conforme a declaração do Piloto (Agrimensor), o dito Rincão do Curral de Pedra tinha 4 léguas de comprido desde a costa do Rio Santa Maria até a Cerca de Pedras Velhas. E tinha de largo 2 léguas desde o Arroio Taquarembó até o Arroio Santo Antônio. Confrontava este Rincão; ao norte e nordeste com o Arroio Santo Antônio, até a Mangueira do Curral de Pedras; ao leste com a Cerca de Pedras Velhas e com as vertentes que dela baixão, uma para o Arroio Santo Antônio e outra para o Arroio Taquarembó; ao sudoeste com o Arroio Taquarembó até sua barra no Rio Santa Maria; e pelo oeste com o Rio Santa Maria.
No ano de 1813 o Capitão Francisco Prestes de Paula Barreto recebeu sua Carta de Sesmaria e no ano de 1817 foi a vez do agora Sargento Mor Antônio Adolfo Charão receber a sua Carta de Sesmaria.

     MAPA 1 - Com as prováveis localizações do Povoado, Cerca de Pedras Velhas e Mangueiras.

Por final, analisando todas as fontes pesquisadas, inclusive a pesquisa de campo feita na localidade do Curral de Pedra, embora esta tenha sido muito limitada pela falta de acesso. Chego a conclusão de que os vestígios do Povoado de Santo Antônio o Novo com o passar dos anos, 263 anos, foram se apagando na superfície.Ainda mais levando se em consideração que as habitações eram feitas de pau-a-pique e que foram incendiadas no ano de 1756. Sendo assim o único vestígio que se poderia encontrar era a cerca de pedra da horta. Porém não encontrei na localidade nem uma cerca de pedra que não tenha sido manipulada, reformada ou até demolida para atender outros projetos. Deforma que não se pode saber quais seriam as pedras originais e quais foram as do tempo da mão de obra escrava. Sendo assim tive que me basear nos indícios das fontes primárias que afirmam que o Povoado de Santo Antônio o Novo ficava entre o Rio Taquarembó e o Arroio Santo Antônio e que existia uma rasteira e antiga Cerca de Pedras Velhas ligando uma nascente do Taquarembó em outra do Arroio Santo Antônio.  Pelos indícios e pela pesquisa de campo, montei o mapa 1, onde localizei aproximadamente o a Cerca de Pedras Velhas e o Povoado. Já o Mangueirão de Pedras localizei visualmente na beira da RS 630, conforme mapa 1 e fotos 1 e 2. Sedo este a Grande Mangueira citada pelo Capitão Graell em seu Diáriode Marcha, dia 31 de Janeiro de 1756 e também citada na medição do ano de 1808. Esta ainda está visível e partes de sua cerca de pedra ainda existem e se localizam no meio de um mato que cresce sobre ela na margem esquerda de uma bifurcação do Arroio Santo Antônio.


Foto 3 - Panorâmica da vista para as nascentes do Arroio Santo Antônio.

F O N T ES  P E S Q U I S A D A S:
- Diário de Marcha do Capitão de Dragões Dom Francisco Graell - Dias 28,29,30 e 31 de Janeiro
de 1756 e 1° de Fevereiro do mesmo ano.
- Diário de Marcha do Capitão Jacinto Rodrigues da Cunha, Dias 29,30 e 31 de Janeiro de 1756.
- Diário de Marcha do José Custódio de Sá e Farias - Dias 8 e 9 de Maio de 1759.
- Diário de Marcha do José Varela y Ulloa - Dia 8 e 9 de Maio de 1759.
- Diário Resumido de Marcha do Dr. José de Saldanha - Dias 1, 2. 3 e 4 de Março de 1787
- Medição de campo Nº 315 - Ano 1808/Caçapava do Sul. - APERGS.
- Cartas de Sesmarias - Anos 1814 e 1817 - APERGS.
- Mapas do 2º Distrito de Lavras do Sul - Prefeitura de Lavras do Sul/RS.

NERCI NOGUEIRA - Pesquisador e Escritor de Os Primórdios de Bagé.  
contatos: nercinogueira@gmail.com.